terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Sobre a felicidade.

Por Miguel Esteves Cardoso...


...Feliz é uma coisa que se é ou não é. Não se pode "estar" feliz. Pode-se estar bem disposto, pode estar-se alegre, pode estar-se satisfeito, mas feliz é a coisa que simplesmente não faz sentido estar. Ou se é ou não se é.

...Feliz é também uma coisa que ninguém se torna, que ninguém fica e que ninguém compra. Ou se é ou não se é. É como ser louro (apesar de eu achar que ser feliz é mais parecido com ser moreno). As pessoas felizes são aquelas que têm vergonha de falar nisso. Em Portugal, dizer "eu sou feliz" é como dizer "eu sou rico". É escandaloso.

...Para se ser feliz é preciso ser um bocado parvo.

...As pessoas felizes só pensam nos outros. É como se não existissem. É por isso que conseguem ser felizes. É uma ilusão de óptica muito bem feita. Ninguém é mais feliz que o homem invisível.

...Para se ser feliz é preciso ser-se um pouco cegueta. Entre as coisas que as pessoas miseráveis, normais, estão sempre a chamar às pessoas felizes, há: ingénua, lírica, naïf, boazinha. Aquela de que gosto mais é "Vives noutro mundo!". Haverá coisa melhor que viver noutro mundo, para quem conheça minimamente este?

...Em Portugal, a felicidade é reprimida. A felicidade, em Portugal, é considerada uma espécie de loucura. Porquê? Porque os portugueses, quando vêem uma pessoa feliz, julgam que ela está a gozar com eles.

...Ninguém tem pena das pessoas felizes. Os portugueses adoram ter angústias, inseguranças, dúvidas existenciais, porque é isso que funciona na nossa sociedade. As pessoas com problemas são mais interessantes. Nós, os tontos, não temos interesse nenhum porque somos felizes.

...E, no entanto, as pessoas felizes também sofrem muito. Sofrem, sobretudo, de culpa.

...As pessoas felizes precisam de se afirmar, de deixar de fingir que também estão permanentemente na fossa. Devia haver emblemas grandes a dizer "EU SOU FELIZ E ESTOU-ME NAS TINTAS" ou "EU SOU FELIZ E NÃO TENHO CULPA".

...As pessoas felizes também choram, também sofrem, também se angustiam. Só que menos. Aliás, muito menos...

1 comentário:

rita paupério disse...

já conheço este texto há tanto tempo... e gosto tanto, tanto...